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domingo, 12 de setembro de 2010

SOMOS UMA FAMÍLIA

#3.01 – SOMOS UMA FAMÍLIA

De repente tudo claro. Como uma luz forte, que ofusca minha visão. Não irritava, mas não permitia visualizar muito bem quem estava adiante. Como uma sombra, mas não assustadora, via tomando forma, saindo do desfoque, tornando-se sólida. Um braço, uma perna, dois braços... essa bela tarde ensolarada. Que deixa o céu com a cor escaldante do fim da tarde, manchada levemente pelo azul, pelo lilás. A lua já estava bem à mostra, em tons claros, deixando sua beleza ganhar força, enquanto a luz do sol descansava, embarcando no horizonte. Estou feliz, como estou feliz. Poderia estar mais feliz?

Parecia cena de filme, filme em câmera lenta, slow-motion, porque tudo ao meu redor corre lento, nostálgico. Enfim, corre, mas devagar. Como eu gostaria de gritar, como eu quero! De alegria, de pura infantilidade, de brincadeira. Fazia tempo não ficava tão bobo. Faz tempo que tenho tentado ser mais bobo, levar a vida, de leve, olhar as coisas bonitas e esquecer das... que eu já esqueci.

E lá continuava a pessoa, caminhando na minha direção, cabelos que balançam pouco, porque são curtos, não tão curtos, maiores que os meus. Também é mais baixo do que eu, um pouco.

Bem perto, abriu esse sorriso lindo, que só ele poderia criar. Que esse cabelo castanho, liso, corrido pelo rosto, que só ele gosta de usar. Desse jeito mesmo, como todos os jovens de quatorze e quinze usam, às vezes até mais. Eu, logicamente, retribuí o sorriso. Por que não?

Eu lembro de quando dei essa camisa xadrez, que está usando por cima da regata branca. Esses óculos escuros... isso me lembra algo mais. Ainda bem que ele gostou.

“Por que está me olhando desse jeito?” ele pergunta. “Nunca me viu, não?” O pior é que eu vi sim, vi durante 09 anos, vi nascer. Me lembro como se fosse ontem... lembro assim, que o tempo passa de pressa também.

Mas com essa brincadeira com o tempo, que passa feito vento, e quebra como sendo... sendo transparente como o lenço... eu simplesmente devaneio, demais. Ele me encara. Minha vez de perguntar “O que foi?”. Ele me responde “Essa cara aí”. “Olha esse jeito de falar, está parecendo um carioca”, ele ri e diz “Não era onde eu estava? No Rio?”

É... Onde estava esse tempo todo, mesmo. Ri.

- Vamos, Rafael, a mãe está esperando a gente no estacionamento. – Disse.
- To cansado, mano. Fiquei cinco horas naquele busão, vamos a pé?
- A pé? – Eu ri – Você perdeu a cabeça, sabe qual é a distância daqui para nossa casa?

Nesse instante me dei conta, profunda, de que não abracei meu irmão. Indiscutivelmente tinha que fazê-lo.

- Vem cá. – Chamei-o
- Iiii, o que há?
- Vem cá, pode vir.
- Ah, não! Ah, não! – Rafael disse, como se soubesse minha intenção.

Peguei-o pelo braço e puxei para perto, então o abracei e fiz um cafuné, bagunçando seu cabelo, melimetricamente ajeitado para parecer bagunçado, estranho, não?

- Metoo, cafuné não! – Ele gritou.
- Cafuné sim! E abraço também! – Respondi, sem ligar para suas palavras.

Lá no fundo, ele se divertia tanto quanto eu. Claro que se alguém mexesse no meu corte de cabelo que levei horas para aprontar,com a franja caindo levemente para a direita e utilizando a quantidade certa de pomada... Bom, aí seria diferente.

Eu sentia saudade disso, de brincar com o meu irmão, de zuar com ele, de importuná-lo, mas de fazê-lo rir. De poder estar do lado dele quando ele precisar. Esses três meses no Rio fizeram toda a diferença lá em casa. Os quartos estavam mais organizados, o banheiro com o piso menos molhado, a cozinha não tinha farelo de pão e a louça não se acumulava, assim que tinha acabado de enxugar. Eu estava com saudade de tudo isso, é bobagem, eu sei, mas estava com saudade.

- Então, eu quero que você conheça depois, a Karina, minha namorada. – Disse
- Sua namorada? Desde quando? Já arranjou para a cabeça?
- Que isso de “arranjar para cabeça”? Ela é uma pessoa incrível, bonita, inteligente...
- Tá, tá, tá – Rafael me interrompeu. – E tudo mais que uma namorada pode ser. Já entendi.
- parabéns, você é muito inteligente – Falei de forma irônica.
- Mais do que você, com certeza! – Ele gargalhou.

Um lado bom de irmãos mais novos: você é o mais velho, você que manda. Um lado ruim de irmãos mais novos: Sua inacreditável capacidade de aborrecer você que é irmão mais velho.

Claro que eu sempre tive uma relação boa com o meu irmão. Mas nem tudo são flores.

Caminhamos por uns cinco minutos até encontrar o carro no lugar onde nossa mãe estava estacionada. Olhando ao redor, tudo tranqüilo, filas e mais filas de pessoas ansiosas para entrar nos fretados. Ônibus de dois andares... pareciam confortáveis. Foi o que pensei ao olhar suas janelas, ora com cortininhas ladeadas, ora afastada ou mesmo tiradas. Nos aproximamos da mãe. Ela abriu um sorriso, que iluminaria uma cidade inteira, tal sua felicidade em ver o filhote.

Inveja? Jamais, eu já tive meu tempo. Sou mais velho, já estou pra cursar uma faculdade, além do mais, ele acabou de voltar de viagem depois de afastado por alguns meses, nem lembro o motivo. Tá mais do que justo, pelo menos na minha opinião.

Eles se abraçaram e beijaram...

- Rafa, a mamãe estava morrendo de saudades de você.
- Mãe! – Disse ele encabulado – não pelas pessoas ao redor, mas pelo termo “mamãe” mesmo. – Pode falar normal comigo. Ok?
- Não, não! Eu posso falar do jeito que me der na telha! – Essa foi a tirada dela, de forma carinhosa.

Tem coisas sobre as mães que não são tão legais também, mas essas ficam para depois.

De repente, Rafael decidiu correr até o guichê, enquanto dizia “peraí, eu já volto”.

- Ei! O que vai fazer?
- Vou recarregar o meu cartão do metrô – Ele gritou.

- Então? – Escutei a suave voz da minha mãe.
- Então...? – Disse sem compreender o que ela queria dizer.

Ela suspirou, fez aquela cara de “olho de peixe” antes de reformular.

- Você está contente?
- Estou, por quê? – Falei.
- Por ver o seu irmão, por ele estar de volta. Sei que você o adora, mesmo quando ele te irrita.
- Ah mãe! Não começa. – Disse
- Vocês, quando entram na adolescência, ficam terríveis. Qual o problema em falar o que sente?
- O problema é porque é mico, entendeu?

Essa era mais uma discussão boba, de família, que raramente leva à algum lugar.

- Está certo! Eu estou adorando que o Rafael esteja de volta... Mesmo. Satisfeita?

Ela deu um sorriso, com certo ar de pompa, que significava obviamente uma batalha travada e vencida por ela. Mas admito que sem necessidade, porque eu estava contente, mas não precisava declarar para Deus e o mundo.

- Você me ajuda? – Perguntou Rafael, retornando do guichê e levantando uma pequena mala vermelha com o braço esquerdo.

Abri o porta-malas e depois de arranjar espaço entre o step e as bugigangas velhas, iscas, potes sujos de terra e varinhas de pesca, coloquei a mala no lugar.

- alguém precisa avisar o pai para não largar as coisas dele desse jeito. – Comentei indignado.

Fechei o porta-malas e caminhei para o lado do carona. Mas como deveria imaginar, meu irmão já ocupava o bendito lugar.

- Vai para trás. – Falei.
- Hoje eu vou na frente com a mãe.
- Vai para trás, Rafa! Não pode ficar na frente é menor de idade!
- Quem inventou essa regra? – Ele retorquiu.

Olhei para minha mãe, olhei para ele. Tive que ficar na minha. É só por um dia mesmo. Depois eu iria mais rápido do que ele. Minha nossa! Como eu sou infantil às vezes!

- Tudo bem, vai. Vamos embora logo.

Entrei, fechei a porta. O carro acelerou. E juntos retornamos para casa.

- O pai vai ficar contente quando me ver. – Disse Rafael.
- Claro que vai, meu amor. – Comentou nossa mãe.
- Não era uma pergunta,e sim uma afirmação! – Rafael riu.
- Dá para acreditar que ele tem dez anos de idade? – Eu disse. Mais para mim do que para eles.
- E você, o que faz com a sua idade? – Rafael se emburrou.
- Que tipo de pergunta é essa?
- Metoo, ele é só uma criança. Vai com calma. – Disse nossa mãe.
- Ei, mãe! Eu não sou mais criança! Eu sou quase um adulto! – Disse Rafael.
- Vai pensando... – Comentei. Lá no fundo essa situação me divertia. Só esperava que ele não agisse dessa maneira na frente da Karina.
- Mãe... – Começou Rafa – Agora que eu estou de volta, podemos ter um novo bichinho de estimação?
- Nem pensar – Dissemos juntos.

UMA HORA DEPOIS

Finalmente estávamos em casa. Banho tomado, corpo fresco e aquele maravilhoso cheirinho de comida pronta a poucos minutos. O som da televisão, em – muito provavelmente – um desenho animado. E claro, o telefone tocando. Geralmente quando tocava na hora do jantar era meu tio querendo saber se tinha vaga à mesa. “Rafa, atende para a mãe” ouvi a voz da cozinha.

- Mãe, eu estou faminto! – Disse, escutando meu estômago roncar. O pai ainda não chegou?
- Ele vai chegar um pouco mais tarde, pelo visto – Ela comentou, enquanto ajeitava os pratos na mesa. – Pegue os talheres, lá na gaveta.

Enquanto atendia ao pedido de minha mãe escutei a voz do Rafa, ainda no telefone: “Certo, eu vou avisar... De nada... Não, não... Eu é que agradeço... Certo. Até mais, então... Beijos”. Com quem será que ele falava?

- Quem era, no telefone? – perguntei.
- Sua namorada.
- E porque você não passou a ligação? – Fiquei irritado.
- Porque ela só queria deixar um recado. – Ele respondeu. – Ela disse que vem pra cá mais tarde e perguntou se não tinha problema...
- E o que você disse para ela?
- Que não tinha problema nenhum... certo?
- Certo. – Disse.
- Ficou melhor agora, foi só isso. Ah! Ela disse que eu sou maduro para minha idade.
- E ela sabe o que aconteceu com o nosso último animal de estimação?
- Aquilo foi um acidente – Rafael replicou.
- Colocar o pobre animal na maquina de lavar roupa e ligá-la, não deve ser um acidente!
- Mas foi!

Meu pai, por que ela foi dizer isso para ele? Agora agüenta, né? Pequeno Rafa querendo ser adulto e o incentivo chega pelo telefone. Preciso conversar com a Karina depois.

- Vamos jantar pessoas? – Chamou nossa mãe.
- Não! Vamos esperar o pai chegar. – Pediu Rafa.
- Eu to morrendo de fome, Rafael, eu vou comer.
- Mas vai ser a primeira vez que comemos todos juntos depois de três meses... só mais um pouquinho. – Ele insistiu.

Eu olhei para minha mãe, olhei para ele, olhei meu estômago... olhei para tudo. O que custa ter mais paciência eu pensei. Afinal ele voltou para ficar, vai ser difícil passar tanto tempo na casa de parentes de novo. Eu vou ter que agüentar até um dia quando for sair de casa. Pivete. A sorte é que eu goste “deste” pivete.

- Alguém pode decidir o que fazer? – Perguntou nossa mãe.

Normalmente as mães decidiriam o que fazer, mas esta em questão, gosta quando os filhos tomam a frente e escolhem sobre as coisas, afinal “é a melhor maneira de preparar os filhos para a – suposta – vida adulta”. Temos que aprender a tomar nossas próprias escolhas, que contribua beneficamente para todos os envolvidos. Democracia?

Antes que eu respondesse escutamos o malho de chaves na fechadura da porta. Um barulho singular e que só podia significar que ele tinha chegado...

CONTINUA NO PRÓXIMO POST.

2 comentários:

Gammelo disse...

aff to confusooooooooooo
e isso é tão legal... recemeça a gonia do Gammelo com o metoo e sua vida... aff

Alef disse...

rsrsrssrs

n sei onde ja vi um garotinho q pois seu animal de estimação na maquida e a ligou....

suhasuahasu

mto legal!!!

mais e oq aconteceu com a Anna?